Então, que tal falarmos de monstros?
Uma cuidadosa seleção com alguns dos meus vídeos preferidos do Monstrum para você.
Bem, já não deve ser supresa para ninguém que adoro monstros.
Já falei um pouco sobre isso numa outra edição da news - essa aqui, para ser mais específico - mas gostaria de retomar um pouco esse assunto hoje.
Ainda que a estética dos mesmos possa ser algo fascinante, o que mais chama a atenção é como culturas e povos utilizam a figura de seus monstros para lidar e trabalhar com seus medos e ansiedades, afinal, como bem definiu Jeffrey Jerome Cohen nas suas Sete Teses do Monstro, o corpo do monstro é um corpo cultural.
Assim, é extremamente fascinante tentar entender os medos e ansiedades que podem ter originado essas criaturas. Igualmente fascinante é testemunhar suas metamorfoses contemporâneas em outros seres - imaginários ou não. Pois, como produto de uma cultura, e cultura humana, os medos e ansiedade irão sempre permanecer, mas assumindo sempre outras formas. Ou, novamente citando Cohen, o monstro sempre escapa, ganhando uma nova forma ou um novo contexto.
Certo, você já deve estar se perguntando o porquê de ter começado o texto com essa introdução. Pois bem, hoje, gostaria de dividir com você 5 dos meus vídeos preferidos do Monstrum - que também já falei aqui.
Uma produção da PBS - canal de tv norte-americano que, de maneira bem grosseira, poderíamos comparar à nossa TV Cultura, Monstrum é uma série apresentada pela Dra. Emily Zarka, e, a cada episódio, apresenta não só a história, mas toda uma discussão, a respeito de alguma criatura - seja ela do folclore tradicional ou não.
Os episódios são sempre disponibilizados no Youtube e, até onde eu já vi, ainda não possuem legendas em português.
Feita essa introdução, vamos falar sobre alguns dos meus episódios favoritos dessa série \o/
Bake-kujira:
O youkai representado pela carcaça de uma baleia - e uma dos meus favoritos - é uma adição relativamente recente ao folclore japonês. Suas origens, como apresentadas no vídeo, estão intimamente relacionadas ao boom da pesca baleeira ocorrida no século XX, e que causou uma drástica queda na população desse mamífero aquático.
História de fantasma que reúne, ao mesmo tempo, crítica ao comportamento humano - como toda boa história de terror - a bake-kujira também tem uma influência do grande Shigeru Mizuki (1922-2015), mangaká famoso por seu trabalho de pesquisa e resgate do folclore japonês.
Mais do que isso, você vai precisar ver o vídeo, em:
Why Does A Ghost Whale Terrorize The Japanese Coast?
As Crianças dos Olhos Negros:
A verdade é que nenhuma lista de criaturas e monstros estaria completa sem a presença de lendas urbanas envolvendo crianças.
Por mais que sejam vistas como símbolos de inocência, histórias que mudam ou alteram seu papel, transformando-as em criaturas malignas não são de todo raras. Na verdade, talvez seja justamente por isso que essa inversão funcione tão bem. Mas aqui posso estar divagando. Exemplos desse tipo de história não faltam, como o livro A Cidade dos Amaldiçoados (1957), ou o clássico filme Colheita Maldita (1984).
Certo, mas onde entram essas crianças dos olhos negros?
Pois bem, elas são uma lenda urbana relativamente recente (1998), e de origem norte-americana, ainda que tenha se espalhado por outros países de língua inglesa, como a Inglaterra. Em todos os relatos, pessoas são abordadas por crianças que, parecendo normais, logo revelam uma série de peculiaridades, que culminam com seus olhos totalmente negros.
Dar atenção ou ouvi-las pode trazer uma série de consequências adversas, mas essa parte, assim como a análise dela, você confere em:
Don’t Let Them In! The Urban Legends of Black-Eyed Children
Yara-ma-yha-who:
Uma das coisas que sempre acho fantásticas em Monstrum é como a série se propõe a realizar um magical mistery tour pelo mundo, apresentando monstros e criaturas de todas as partes do mundo, e um exemplo claro disso é o episódio do Yara-ma-yha-who.
Se você não conhece essa criatura - o que é bastante provável, por sinal - este é um tipo de vampiro do folclore aborígene australiano. Diferente de seu parente europeu, o Yara suga o sangue de suas vítimas pelos dedos e, como se isso não fosse suficiente, engole suas vítimas. A bizarrice, no entanto, não para por aí, já que a criatura regurgita sua presa, repetindo esse ciclo um sem número de vezes. A cada regurgitação, porém, a vítima desse curioso vampiro vai perdendo tamanho e se deformando, até, finalmente, se tornar um semelhante da criatura.
E você achando que a Austrália já era perigosa do jeito que é, né?
Mas o que esse monstro nos diz sobre a cultura aborígene? Bem, a Dra. Zarka vai te explicar:
Yara-ma-yha-who: Australia’s Regurgitating, Blood-Sucking Monster
Windigo:
Até agora, talvez esse aqui seja o monstro mais “conhecido” até o momento. Presente em uma série de contos e narrativas, em jogos e até mesmo quadrinhos (sim, aquele vilão clássico do Hulk e do Wolverine é inspirado neste monstro aqui) o vídeo sobre o Windigo assume a quarta posição de nossa pequena lista.
Nascido na região norte dos Estados Unidos e em certas áreas do Canadá, o monstro, parte do folclore dos povos originários do país, é uma cria do Inverno e do tabu, representando os riscos que o inverno pode trazer consigo como o frio, isolamento e fome e, por sua vez, o canibalismo.
Da mesma forma, os contatos com os exploradores europeus trouxe também suas tintas para a criatura, como uma associação com o lobisomem e mesmo mudanças em suas representações pictóricas.
Mais do que isso, você vai precisar ver o vídeo em si:
Windigo: The Flesh-Eating Monster of Native American Legend
Mapinguari:
Encerrando nossa pequena lista, e mantendo nossa parada no continente americano, temos aqui um belo vídeo sobre o Mapinguari, criatura bem conhecida do folclore amazônico.
Um outro mito relativamente recente, as histórias do ciclope invencível tem seus primeiros registros ainda durante o Ciclo da Borracha (1880-1910), quando a Amazônia, ou, mais especificamente a floresta amazônica, passou a receber um fluxo bem maior de trabalhadores. Tanto é que, segundo o Dr. Andriolli Costa, é justamente entre os seringueiros que vamos encontrar as histórias mais antigas a respeito da criatura.
E, já que falamos nele, o Andriolli é o convidado especial do episódio, trazendo a perspectiva e expertise de um conhecedor e estudioso do folclore brasileiro para o programa, que você pode conferir por aqui:
Mapinguari: Fearsome Beast and Protector of the Amazon
Bem, e esta foi minha pequena seleção de vídeos ˆˆ
Claro, Monstrum possuí uma série de outros vídeos e, em uma ocasião futura, posso trazer uma nova seleção de conteúdos. Até lá, espero que tenha gostado dessa pequena seleção, e que ela possa ter ajudado a fomentar o seu interesse nessas criaturas fascinantes.
Até a próxima!
Ficou interessado em saber mais sobre esse tópico? Pois bem, separei aqui alguns links e conteúdos que podem te interessar bastante a conhecer mais não só do estudo dos monstros, mas do que eles dizem também.
Sites:
Conversas de Monstros: Conceito III - Sete Teses
Dra. Emily Zarka - Site Oficial (em Inglês)
Yokai.com - site enciclopedia sobre youkais do artista Matthew Meyer (em inglês)
Livros:
Geografia dos Mitos Brasileiros - Câmara Cascudo (link da Amazon)
História do Medo no Ocidente (1300-1800) - Jean Delumeau (link da Amazon)
Paisagens do Medo - Yi Fu Tuan (link da Amazon)
Da mesma forma, se você ficou curioso para conhecer um pouco mais sobre terror, o uso dos monstros e de como esses elementos estranhos podem ser usados na construção de narrativa, vou deixar alguns artigos que escrevi lá na Galeria da Meia-Noite sobre o tema, certo?
Os Peixes de Gyokoo e a criação do efeito de estranheza em uma obra.
Resenha - Nonnonba, de Shigeru Mizuki
Shigeru Mizuki e a Influência dos Quadrinhos de Terror Norte Americanos
Um Conto de Dois Godzillas - Diferenças entre as Representações do Godzilla no Japão e nos EUA